Iran Giusti
Para especialistas, a cura da homofobia paterna leva tempo e necessita de alguns fatores para acontecer, como a necessidade de o próprio filho se aceitarSe fosse alguém da vida real e não um personagem de novela, o administrador Félix Khoury (Mateus Solano) teria tido um Dia dos Pais nada agradável. Nas últimas semanas, a trama das 21h da Globo o tem mostrado sofrendo ataques pesados de homofobia do próprio pai. Para impedir que Félix assumisse publicamente sua homossexualidade, o médico César Khoury (Antônio Fagundes) até ameaçou demitir Félix do hospital da família.
O grau de homofobia de César é tão alto que chega a causar dúvida sobre a possibilidade dessa aversão à homossexualidade se extinguir ou, pelo menos, diminuir algum dia. Provocando também um questionamento: O que seria preciso para um pai como o de “Amor à Vida” se curar e passar amar o filho do jeito que ele é?
César (Antônio Fagundes) e Félix (Mateus Solano): pai homofóbico e filho gay da novela 'Amor à Vida'
Foto: Reprodução/TV Globo
Félix já tentou conversar com o pai: 'Já estou farto de me esconder, de levar uma vida dupla! Estou exausto. Estou com uma borboleta, pronto para sair do casúlo'
Foto: Reprodução/Rede Globo
'Pois trata de entrar de novo nesse casúlo. Agora!' é a resposta do pai
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'Pai? Você ainda tem coragem de me chamar de pai?', diz César em uma das cenas mais emocionantes da trama
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'Papi soberano, agora que me livrei do casamento, não quero voltar a me sentir um passarinho na gaiola!', implora o filho
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César: 'Ou você vai até a Edith (a ex-esposa) e pede desculpas ou te demito do hospital amanhã mesmo!'
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Em um ultimo apelo, Félix diz: 'Pai, eu senti que podia ser mais feliz, sem ter que carregar essa mentira... Da vida dupla... E que se eu fosse mais feliz, eu podia ser... Melhor'
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'Melhor para mim é não ter um filho gay', encerra César
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César acusa a esposa: 'A culpa é sua! Você mimou demais esse menino. Desde pequeno, o Félix é assim. Escolhendo seus sapatos, suas bolsas"
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E ainda ofende o filho: 'É um mariquinha, como diziam na minha infância. Uma bicha. E a culpa é sua!'
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Mestre em Diversidade Sexual pela PUC-RJ, o educador Alexandre Bortolini acredita que a mudança é possível, mas que ela acontece gradativamente e não é de uma hora para outra. “Todas as pessoas são capazes de aprender, é importante o filho ter a noção de que é um processo”, analisa Bortolini, ressaltando que se a homofobia do pai descambar para a agressão, seja ela física ou verbal, será necessário que o filho se afaste por um tempo.
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Infelizmente, essa violência é uma realidade em muitos casos, como relata a presidente do Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), a terapeuta Edith Modesto. “Dos 50 casos que atendemos mensalmente na ONG, pelo menos um vem de uma expulsão, dez são de ameaças”, enumera Modesto.
Otimista, Edith acredita que os laços familiares prevalecem e colaboram para a aceitação da homossexualidade. “O processo varia de pessoa para pessoa, os contextos são variados. Mas é preciso esclarecer esse pai. Isso é difícil, principalmente para o filho, que além de sofrer muito por ser gay, não encontra o acolhimento em casa. Porém, com tempo, o amor sempre vence”.
Bortolini observa que a aceitação da homossexualidade do filho muitas vezes esbarra em fatores culturais, que fazem até o pai questionar a própria sexualidade. “É o caso clássico da máxima ‘esse menino é a cara do pai’, o fato dos primogênitos serem herdeiros. É uma questão de cobranças culturais sendo postas em xeque”.
Especialista em vínculos familiares, a psicanalista Brunella Rodriguez aponta outra dificuldade envolvida nesta questão, o fato de que muitas vezes a homossexualidade de um filho acaba provocando um conflito colateral, que é o estremecimento da relação entre o pai e a mãe. Nestes casos, a dinâmica mais comum acontece com ela sendo mais tolerante, aceitando a orientação sexual, e ele a rejeitando, atuando como repressor.
Reconhecendo também que essa oposição entre os pais é comum, Modesto avalia que quando pai e mãe têm uma relação mais harmônica, a aceitação se dá de uma maneira menos traumática. “Se o relacionamento é estável, o casal se une para enfrentar as dificuldades. Do contrário, a homossexualidade do filho pode ser a gota d’água para acabar o relacionamento”, julga a terapeuta.
Independentemente da dinâmica estabelecida pelo casal, os especialistas ouvidos pelo iGay entendem que no exemplo apresentado pela novela, não é só César que precisa resolver sua homofobia. Para eles, Félix também sofre do mesmo problema.
“Ele não se aceitou, não confrontou o pai para que eles pudessem lidar com a homofobia. Ao forçar uma relação heterossexual, Félix reforça a homofobia do pai”, considera Rodriguez, mencionando o casamento de fachada do personagem com Edith (Bárbara Paz).
Para a psicanalista, ao se aceitar, Félix vai, consequentemente, ter uma relação melhor com o seu próprio filho, Jonathan (Thalles Cabral).
“Com a autoaceitação e talvez a do pai, Felix pode enfim eliminar essa herança homofóbica que carrega, deixando assim de achar que não pode ser um bom pai. Aliás, algo muito comum entre os homossexuais”, conclui Rodriguez.