Iran Giusti
Jovem gay de 16 anos encontrado morto em São Paulo era conhecido por ser afetuoso e alegre. Parentes a amigos afirmam que sexualidade do adolescente nunca foi problemaKaique sonhava em ser cantor e participar do programa 'The Voice'
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Nas redes sociais do joven, Kaique posa ao lado da drag queen Dimmy Kieer, o Dicesar do BBB 10
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Kaique era tranquilo e passava as tardes com amigos fumando Narguilé
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Protesto no centro de São Paulo pede justiça para Kaique Augusto Batista dos Santos, encontrado morto e desfigurado
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O cartunista Laerte participou do protesto, que acontece no Largo do Arouche
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Registrada como suicídio pela Polícia Civil de São Paulo, a morte gerou fortes suspeitas de se tratar de um crime de homofobia
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O corpo de Kaique apresentava vários traumatismos e uma lança estava dentro de uma das pernas dele
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Kaique Augusto Batista dos Santos tinha 16 anos e era o filho do meio de dona Isabel, que tinha ainda mais cinco filhos. Moradora da Bela Vista, bairro na região central de São Paulo, a família Santos teve de se mudar no último ano para Taboão da Serra (na Grande São Paulo), onde vivia o filho mais velho porque a mãe se separou do marido.
O jovem permaneceu no bairro central onde, segundo sua irmã Tayna Innocencia Chidiebere Uzor, de 19 anos, passou a morar com um amigo chamado também Kaique, sua namorada e sua mãe . O motivo: continuar próximo ao colégio, onde fazia um curso preparatório para o vestibular.
O corpo de Kaique foi encontrado na madrugada de sábado (11) próximo ao viaduto da Avenida 9 de Julho, no centro da capital paulista. A família suspeita de homofobia. O boletim de ocorrência, no entanto, aponta que o jovem cometeu suicídio. A história de Kaique mobilizou militantes e o governo federal. Em comunicado, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) apontou que o fato teria indícios de crime de ódio.
Para bancar as despesas e ajudar a família, Kaique começou a trabalhar ainda criança, assim como os irmãos. Em um primeiro momento, cuidando dos mais novos, João Paulo, Júlio César e Angeline, e depois fazendo bicos. Aos 14 anos, arrumou o primeiro emprego como ajudante geral em uma assistência técnica automotiva e lava-rápido, onde trabalhava até o final de semana em que desapareceu.
Quem conta a trajetória do jovem é o padrinho, o cabelereiro Paulo Negrão, de 41 anos. “Sou amigo da família há anos, desde que ele tinha um ou dois anos”, explica. Sobre o afilhado, relata: “Ele era esforçado, responsável, doce, queria muito vencer, mudar a vida da família, era um menino muito bonzinho. E não tô falando isso porque morreu e virou santo, é porque ele sempre foi muito bom, educado demais”.
o jeito tranquilo é citado também por um vizinho de Kaique, Bruno Pires, de 21 anos. “ O Kaique era um moleque tranquilo, alegre, não expressava nenhum tipo de comportamento estranho. Sempre espontâneo”, conta.
Sonho em ser cantor
Bruno conta também que o colega sonhava ser cantor, como mostra o vídeo abaixo. O padrinho Paulo também sabia do desejo do afilhado . “Ele gostava muito de música, em especial da Beyoncé. Tinha decidido que queria ser cantor e eu consegui uma vaga em uma escola de música com uma amiga. Ele ia começar este ano, de graça”, relata emocionado.
Lia Mara de Moraes, de 52 anos, também convivia com Kaique desde a infância. Aos nove anos, o jovem começou a frequentar sua casa. A Yalorixá (sacerdotisa do Candomblé, conhecida como Mãe de Santo) conta que ele sempre foi espiritualizado. Aos 11 anos, o adolescente se iniciou na religião.
Segundo Lia, Kaique encontrava na música uma forma de se expressar. “Ele sembre amou cantar, dançar e sonhava em participar do programa 'The Voice’”, lembra. “Ele era uma criança divertida, alegre, e muito sensível. Mesmo retraído sempre foi muito feliz”, recorda. “Por conta da religião, tanto ele quanto a mãe passavam bastante tempo aqui em casa”, explica.
O gosto por música e pela cantora Beyoncé também foi lembrado pelos amigos de Kaique. A estudante Paloma Santos, de 18 anos, que morava com ele, tem evitado dar entrevistas, mas falou ao iG que o jovem era fã da cantora norte-americana. A idolatria pela artista foi o que fez com que Caio Henrique Guarnieri, de 19 anos, conhecesse Kaique em um show. “Sou um Beyhive [nome dado aos fãs da cantora], e ele queria ser. Nos conhecemos por conta da música. Ele era um rapaz tímido que tinha uma voz maravilhosa”, conta
Poucos amigos e aceito pela família
“Ele era muito seletivo com as amizades, não gostava de ficar fazendo baderna e tinha os momentos de reflexão, de curtir sozinho e escrever. Mas às vezes saía com os amigos”, conta Lia Mara.
O padrinho Paulo diz que raramente Kaique ia para baladas por ainda sem menor de idade. O comportamento era como o de tantos adolescentes. “Ele costumava ficar na casa dos amigos, fumando narguilé [cachimbo árabe usado para fumar tabaco com sabor] e tomando espanhola [batida de vinho, leite condensado e abacaxi], conversando e cantando. Quando saiam iam para a Praça da República [centro da capital paulista], atrás da floricultura onde os jovens ficam”, relata.
Em relação a homossexualidade do adolescente, Paulo conta que a família sempre soube. "Quando Kaique tinha uns seis, sete anos, falei pra mãe que ele ia se assumir gay quando crescesse, quem é sempre reconhece”, relembra rindo o padrinho. Lia pontua que a relação de Kaique com a mãe era tranquila, e que “ser gay nunca foi um problema para ele ou os familiares”.
Investigação e depoimentos
O corpo de Kaique foi encontrado na Avenida 9 de Julho com sinais de espancamento. Quem participou do reconhecimento do corpo afirmou que o jovem tinha hematomas na cabeça, a perna perfurada por uma barra de ferro e estava sem os dentes.
Na última sexta-feira (17), segundo o advogado da família, Ademar Gomes, a mãe do jovem afirmou durante seu depoimento que recebeu um telefonema de uma testemunha que teria visto um skinhead jogando o corpo de Kaique do alto do viaduto que passa sobre a avenida.
“Além da mãe, foram ouvidos quatro amigos de Kaique. Durante os depoimentos também foi indicado que uma testemunha enviou uma foto para a casa onde o jovem morava com imagens do crime”, relatou o advogado.
Ainda segundo Gomes, o inquérito parcial está encerrado, portanto o boletim de ocorrência que registrou a morte como suicídio, no 2º Distrito Policial, no bairro do Bom Retiro, ainda é o parecer oficial. “Como advogado eu entendo que precisamos aguardar o laudo geral para poder descartar ou não o suicídio”, afirma.
Na segunda-feira (20), prestam depoimentos Lia Mara de Moraes, o irmão e a irmã mais velha de Kaique e mais um amigo da família.
Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o laudo oficial deve ser divulgado entre 20 e 30 dias, e tanto delegado que registrou o boletim de ocorrência quanto os policiais que encontraram o corpo de Kaique farão declarações apenas quando o caso estiver solucionado.