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"Conversas com Elizabeth Bishop" revela a mulher interessante que era a poeta

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Ana Ribeiro

Lançamento da editora Autêntica reúne entrevistas selecionadas pelo professor George Monteiro de publicações americanas, europeias e brasileiras

Elizabeth Bishop está na moda. Talvez uma perspectiva que a deixasse mortificada. Depois do filme “Flores Raras”, em cartaz em um cinema perto de você – não viu ainda? Então vá! -, a editora Autêntica lança o livro “Conversas com Elizabeth Bishop”, uma compilação de entrevistas que ela deu ao longo da vida para publicações nacionais e estrangeiras.

Já na introdução escrita pelo organizador da obra, o professor de estudos brasileiros e portugueses George Monteiro, fica claro que Bishop tinha quase tanto cuidado com as entrevistas quanto com seus poemas. Muito zelosa do modo como suas ideias eram veiculadas ou traduzidas, ela tinha um nervosismo declarado com relação a entrevistas. Além disso, era extremamente tímida, e sua timidez se ocupou de mantê-la longe dos refletores, fazendo com que a atenção do público ficasse limitado aos seus poemas.

Quando concordava em falar, de preferência para interlocutores amigos, ela escolhia como cenário das entrevistas locais em que estivesse literalmente em casa. No Brasil, a Fazenda Samambaia, em Petrópolis; o apartamento na praia do Leme, no Rio; ou a Casa Mariana, em Ouro Preto. Em Boston, convidava os entrevistadores a encontrá-la em seu apartamento; em Nova York, recorria ao seu clube, o Cosmopolitan. Mas, mesmo aceitando todas as suas exigências, os entrevistadores pouco ouviam sobre a vida da poeta.

Quem lia sua poesia atrás de informações pessoais também não tinha sucesso – ela era tão discreta na poesia quanto nas entrevistas. “Odeio poesia confessional”, dizia ela. Tanto que era acusada de escrever mais sobre coisas do que sobre pessoas, o que ela não negava. “Acho que a geografia vem antes no meu trabalho, e depois, os animais. Mas gosto de pessoas também; escrevi alguns poemas sobre pessoas”.

Assim mesmo, como escreve Ferreira Gullar no texto da contracapa, as entrevistas “revelam-nos a pessoa especial que era ela... As opiniões que emite nessas conversas deixam evidente a integridade intelectual dessa mulher que o acaso da vida trouxe para perto de nós, brasileiros.”

As entrevistas que constam do livro são as seguintes:

Titular da Cadeira de Poesia dos Estados Unidos conta como corteja a Musa” - Boston Post Magazine, 8 de janeiro de 1950 – por Sally Ellis

Sobre seu processo criativo, em que "colecionava" palavras, frases e expressões que ficavam arquivadas na memória até encontrarem seu lugar em um poema. "Não há nada tão complicado nisso, é como fazer um mapa. No fim, todas as peças se encaixam. De vez em quando eu perco uma delas, aí é um problema. Eu me lembro de uma vez que perdi uma peça fundamental, e aquele poema nunca foi escrito." 

Está residindo em Petrópolis a laureada com o Prêmio Pulitzer” - O Globo, 11 de maio de 1956 – autoria não identificada 

Sobre os motivos que a levaram a se ficar no Brasil. "Porque a natureza é doce e bela, e doce e boa é a sua gente."

Sem piadas em português”- London Times, 26 de julho de 1964 – Edward Lucie-Smith 

Sobre "O grupo", livro que Mary McCarthy, ex-colega do Vassar College - tradicional instituição privada de ensino e de artes de alto nível dos Estados Unidos -, escreveu sobre a escola onde conheceu Bishop, que mais tarde hospedaria na casa que dividia com Lota de Macedo Soares no Rio, só para ver as duas se apaixonarem. "Estou agradecida por não ser uma das personagens desse romance em particular. Mary é a primeira mulher que fez graça com o sexo desse jeito." 

Elizabeth Bishop: a poeta, o caju e o Micuçu” - Correio da Manhã, 13 de dezembro de 1964 – Léo Gilson Ribeiro 

Sobre a crise de alergia que a ingestão de um caju deflagrou, e que definiu sua estada no Brasil, onde vivia havia 13 anos. "Tudo começou quando experimentei um caju, fruta tropical que achei muito curiosa. Sofri uma violenta alergia ao sumo ácido, a ponto de perder o navio que me levava numa viagem pelo litoral da América do Sul. Depois, os brasileiros foram todos tão bondosos e simpáticos comigo que fui ficando... até hoje."  

Uma entrevista com Elizabeth Bishop” - Shenandoah, 1966 – Ashley Brown 

Sobre sua relação com a língua portuguesa. "Não tenho o costume de ler em português - apenas jornais e alguns livros. Depois de todos esses anos (16), sou como um cachorro. Compreendo tudo que me dizem, mas não me comunico muito bem."

Em ação: a originalidade da poeta” - Seattle Magazine, abril de 1966 – Tom Robbins 

Descrita como "mulher, de meia-idade, tímida, de voz suave e pálida como uma lua de inverno" em sua volta aos Estados Unidos, quando aceitou o convite para dar uma oficina de poesia na Universidade de Washington, em Seattle, ela disse sobre lecionar: "Sou a única poeta norte-americana da minha geração que não ganhou a vida dando aulas. Esta é a primeira vez que leciono e, de certa maneira, detesto ter estragado esse título."

Elizabeth Bishop: conversas e anotações de aula” - Antioch Review, 1966 – Wesley Wehr

Sobre seus alunos. "Gostaria que meus alunos não perdessem tanto tempo tentando 'descobrir a si mesmos'. Eles deveriam deixar que outras pessoas os descubram. Vivem dizendo que querem transmitir a verdade em seus poemas. Acontece que sempre dizemos a verdade sobre nós mesmos apesar de nós mesmos." 

Ouro Preto: primavera no Festival de Inverno" - Trechos de matéria publicada na revista Visão, 1969 – Autoria não identificada 

Sobre Ouro Preto, em Minas Gerais, cidade onde viveu também. "Uma das coisas que eu gosto é porque ela ainda é uma cidade, não uma coisa morta. Uma das raras cidades do mundo em que até os 'birutas' ainda podem viver soltos e até ganhar a vida. Além do mais, eu detestaria viver numa cidade só de artistas, ia-me embora correndo. Um em cada quarteirão é mais do que bastante."

Poesia como way of life” - Jornal do Brasil, 6 de junho de 1970 – Regina Colônia 

Sobre sua relação com os lugares que visitava. "Quando viajo, meu interesse principal não está dirigido para as pessoas. O que me atrai realmente são os cenários e a arquitetura."

Poeta vencedora do Prêmio Pulitzer visita a Universidade de Washington” - University of Washington Daily, 28 de maio de 1974 – Eileen Fraley

Sobre nunca ficar completamente satisfeita com um poema. "Seus pensamentos e sentimentos estão na ponta da caneta. Eu imagino que poetas propagandistas pesam em suas propagandas, mas raramente eles escrevem boa poesia dessa forma. Eu sempre tento algo mais. Os poemas nunca terminam como você os imaginou."

O livro e a autora: Elizabeth Bishop” - New York Post, 3 de abril de 1976 – Anna Quindlen

Sobre ganhar o Prêmio Internacional de Literatura Neustadt/Books Abroad, que estava sendo concedido pela primeira vez a uma mulher e a um poeta norte-americano. "Nunca pensei que receberia esse prêmio, mas eles me farão recebê-lo, ao que parece. Acho que tenho de fazer duas leituras, e também um discurso. Nunca fiz um discurso na minha vida e não acho que consigo. Depois recebo uma pena de águia de prata."

Leituras em público assustam Elizabeth Bishop” - Norman Transcript, 11 de abril de 1976 – Jim Bross

Sobre, depois de 23 anos de negativas, começar a aceitar convites para leituras e conferências. "Em geral, eu não conheço nenhum poeta que possa viver com o que ganha. Ninguém entra nesse ramo pelo dinheiro." 

Uma conversa com Elizabeth Bishop” - O poema explodido: sobre poesia (Amsterdã) , 1976 – J. Bernlef

Sobre seus cenários favoritos. "Gosto de mares e de lugares no litoral. Moramos no Brasil por vários anos, alguns deles no interior, mas estou sempre buscando a costa."   

A poeta que não se veste de angústias” - Newsday, 6 de fevereiro de 1977 – Leslie Hanscom

Sobre como o prêmip Pulitzer mudou a percepção dos brasileiros sobre ela. "Eles dão muita importância para esse tipo de coisa lá. Fiquei feliz em ganhar aquele prêmio porque, até aquela época, a maioria das pessoas parecia achar que eu não fazia nada."

O olhar de David W. McCullough para os livros” - People, Books and Book People, 1977 – David W. McCullough 

Sobre as "três casas amadas" que menciona no poema "A arte de perder". "Uma em Key West, uma em Petrópolis, e uma em Ouro Preto.  A casa de Ouro Preto foi construída em 1960, e da porta da frente avistávamos sete igrejas barrocas."

A poesia que nasceu do sofrimento” - Jornal do Brasil, 8 de maio de 1977 – Beatriz Schiller 

Sobre sua infância e a solidão. "Meu pai morreu quando eu tinha oito meses. Minha mãe enlouqueceu quando eu tinha quatro anos. Fiquei sozinha. Uma tia, irmã de minha mãe, casada e sem filhos, cuidou de mim. Depois, fiz o curso colegial, como interna, e fui mais tarde para a universidade, em regime de internato."

Uma conversa com Elizabeth Bishop” - Ploughshares, 1977 – George Starbuck 

Sobre ser uma mulher poeta. "Nunca fiz nenhuma distinção; eu nunca faço nenhuma distinção. Mas preciso deixar claro uma coisa. Quando estava na faculdade e comecei a publicar, mesmo naquela época e nos anos seguintes, havia antologias de mulheres, e edições de revistas apenas com textos de mulheres, mas sempre me recusei a aparecer nessas publicações. Achava que não fazia sentido separar os sexos."

Geografia da Imaginação” - Christian Science Monitor, 23 de março de 1978 – Alexandra Johnson 

Sobre ser poeta. "A poesia sempre me pareceu a manira mais natural de dizer o que sinto. Nunca tive a intenção de "ser poeta", como acho que muitas pessoas têm hoje. Nunca quis pensar em nenhum rótulo. É muito mais importante continuar escrevendo poesia do que pensar em si mesmo como um poeta cujo trabalho é escrever poesia o tempo todo."

Elizabeth Bishop, observadora da poesia” - Chicago Tribune, 4 de junho de 1978 – Joan Zyda 

Sobre a intenção da poesia. "A poesia não deveria ser usada como veículo para nenhuma filosofia pessoal."

Elizabeth Bishop fala sobre sua poesia” - The New Paper, 4 de junho de 1978 – Eileen McMahon 

Sobre um poema que representasse a sua voz. "Não sei. Quem sou eu para dizer isso? A maioria dos poemas, se você gosta deles, geralmente acaba dizendo mais do que você imagina."

Escritoras norte-americanas” - Extraído de Harpers and Queens, julho de 1978 – Sheila Hale

Sobre encerrar sua atividade como professora. "A coisa toda não fazia sentido. Há muito pouco a ser ensinado a eles. Aqueles que tinham talento estariam melhores em algum canto, lendo poesia; e aqueles que não o tinham poderiam estudar até economia."

A arte da poesia, n. 27: Elizabeth Bishop” - Paris Review 23, 1981 – Elizabeth Spires 

Sobre a decoração de sua casa em Boston, quando foi embora do Brasil, aos 67 anos. "Eu morava numa casa muito moderna no Brasil. Era muito bonita e quando finalmente me mudei, trouxe comigo as coisas de que mais gostava. Então, é só uma mistura. Gosto muito de coisas modernas."

A biblioteca de Elizabeth Bishop: uma lembrança” - Massachusetts Review, nº 24, 1983 – Mildred J. Nash 

Sobre casamento com amor. "Simplesmente não deu certo comigo, mas não lamento, apesar de tudo, o fato de não ter acontecido."

Aprendendo com a professora Bishop” - New Yorker, 15 de setembro de 1986 – Dana Gioia 

Na sala de aula com Bishop. "Não sou uma professora muito boa. Então, para garantir que vocês aprenderão algo neste curso, vou pedir a cada um que memorize pelo menos dez versos por semana de um dos poetas que leremos. Para que vocês aprendam algo, apesar da professora."



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